Dar um “jeitinho” para conseguir o que se quer parece ser uma especialidade do brasileiro, não é mesmo?! Mas, você sabia que em algumas situações este tipo de comportamento pode estar associado à falsidade ideológica?
Nos últimos meses, por exemplo, uma situação recorrente chamou a atenção de toda a população: o cadastramento indevido de cidadãos para o recebimento do auxílio emergencial.
Pessoas de todo o país solicitaram o auxílio, mesmo sem cumprir verdadeiramente os critérios para sua concessão, contudo, este mero comportamento de realizar um cadastro para recebimento de direito que sabe não ser devido configura crime de falsidade ideológica.
Mas, para que você entenda melhor as características desse tipo penal e as penalidades aplicáveis ao agente que o pratica, elaboramos este artigo com as principais informações acerca da falsidade ideológica. Vamos lá?
O que é falsidade ideológica?
A conduta que altera a veracidade das informações de documentos públicos e privados e que tenha por objetivo a obtenção de vantagem para si ou para outrem – muitas vezes, prejudicando direitos e gerando danos financeiros – é considerada falsidade ideológica.
De acordo com o artigo 299, do Código Penal, a falsidade ideológica corresponde ao crime de “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”.
O que caracteriza falsidade ideológica?
Para que a falsidade ideológica fique caracterizada é preciso, primeiramente, que exista o dolo – a vontade do agente de adulterar um documento público ou particular.
O conteúdo deste documento contém informações falsas, que não correspondem à realidade e que, ainda, altera a verdade sobre um fato juridicamente relevante – porque, na sua forma original, possui valor probatório.
Assim, embora a assinatura do documento seja verdadeira, as declarações nele contidas são inverídicas, em razão dos seguintes motivos:
• Omissão: quando o agente deixa de mencionar algum dado importante ao confeccionar o documento;
• Inclusão de falsa informação: o agente insere no documento informação falsa ou substitui a verdadeira por outra versão, da mesma natureza, ou induz um terceiro a fazer essa inclusão.
Falsidade ideológica é crime?
A falsidade ideológica é sim conduta criminosa, inserida no capítulo dos crimes contra a fé pública do Código Penal, que, inclusive, pode decorrer na aplicação de pena de reclusão, nos termos do artigo 299.
Assim, diversos comportamentos adotados pelos cidadãos para resolver determinadas situações complicadas do cotidiano – e que parecem inofensivas – são, na verdade, considerados criminosos, tais como as apontadas no tópico a seguir.
Quais os crimes de falsidade ideológica?
Além do exemplo do cadastro indevido para recebimento do auxílio emergencial, alguns dos principais crimes de falsidade ideológica, são:
- Transferência de pontos da Carteira Nacional de Habilitação (CNH);
- Adulteração de documentos para Declaração de Imposto de Renda;
- Declaração de bens que não possuem registro em seu nome;
- Falsificação de cheques;
- Falsificação de carteira de estudante para garantir meio ingresso;
- Declarar menor valor na carteira
- Entrega de atestado médicos falsificados e
- Alteração de assentamento de registro civil, como certidão de nascimento, casamento e óbito.
Como acontece a falsidade ideológica?
O crime de falsidade ideológica é instantâneo, ou seja, ocorre na origem, no momento em que o agente inclui, retira ou altera informação de um documento público ou particular.
Ainda que esse comportamento não tenha gerado prejuízos à ninguém, o delito estará configurado pela possibilidade do dano, a partir da omissão ou inclusão de informações falsas em documento verdadeiro.
Possíveis consequências da falsidade ideológica
No caso de falsificação de documento público, a pena prevista é de 1(um) a 5(cinco) anos de reclusão, ao passo que a pena a alteração de documento particular é de 1(um) a 3 (três) anos, a depender da gravidade do fato.
Em ambas as situações, a pena é aumentada em 1/6, se o crime for cometido por funcionário público, no exercício de suas funções.
Por se tratar de um crime de menor potencial ofensivo, sujeito ao rito sumaríssimo, também é possível substituir a pena restritiva de liberdade por outras penas restritivas de direitos ou, ainda, pela suspensão condicional do processo.
Multa
O juiz da causa, além de aplicar a pena de reclusão, também deverá arbitrar um valor de multa ao sujeito que comprovadamente cometeu o delito de falsidade ideológica.
O valor desta multa precisa ser proporcional à pena privativa de liberdade, mas não a substitui e nem se confunde com a fiança.
Diferença entre falsidade ideológica e falsa identidade
Geralmente, a falsidade ideológica é confundida com a falsa identidade, em virtude das semelhanças entre os dois crimes, contudo, existem importantes diferenças entre as referidas condutas.
Enquanto a falsidade ideológica ocorre quando um indivíduo modifica fisicamente documentos em benefício próprio ou de terceiros, no crime de falsa identidade não há a utilização de qualquer documento para que o crime se concretize, basta a identificação do sujeito como outra pessoa.
Diante disso, a pessoa que comete o crime de falsa identidade diz ser quem não é e assume uma identidade que não lhe pertence, ainda que não haja correspondência com qualquer outra pessoa.
É o caso, por exemplo, do sujeito que – após ser parado por policiais, sem a posse dos seus documentos – repassa aos agentes dados que não coincidem com sua identidade, numa clara tentativa de obter vantagem, qual seja, se eximir de qualquer responsabilidade.
A identidade, nesse sentido, equivale ao conjunto de características particulares de uma pessoa, que permite sua individualização, como o nome, idade, sexo e estado civil.
Como a falsidade ideológica é comprovada?
A comprovação da conduta criminosa de falsidade ideológica se dá com o exame do documento por escrito que, embora seja externamente perfeito, contém declarações diversas da realidade dos fatos.
Então, para identificar a falsificação é preciso realizar um confronto entre os dados constantes no documento e as informações apresentadas pelo cidadão.
Falsidade ideológica cabe fiança?
A fiança corresponde a uma medida cautelar, determinada em valor (dinheiro ou bens) pelo juiz, a fim de permitir que o acusado criminalmente responda em liberdade até o julgamento.
Funciona como uma espécie de caução que, em caso de condenação ao final do processo, poderá servir para pagamento de multa e indenizações ou, no caso de absolvição, será destinada ao pagamento de despesas processuais.
Em regra, a fiança pode ser aplicada em qualquer situação, exceto nos crimes a seguir: a) racismo, b) tortura, c) tráfico ilícito de entorpecentes e drogas, d) crime contra a ordem constitucional e do Estado e e) terrorismo.
Considerando que a falsidade ideológica não integra a lista de crimes inafiançáveis, o agente acusado de praticá-la pode aguardar o julgamento do processo em liberdade, mediante o pagamento de fiança, no valor arbitrado pelo juiz da causa.
Como funciona a defesa de falsidade ideológica?
A ausência dos requisitos que caracterizam o crime de falsidade ideológica impede que a autoria do crime seja atribuída a alguém, visto que, nesse caso, inexiste crime.
Por isso, a estratégia da defesa, na maioria dos casos, é buscar comprovar a falta de elementos necessários à caracterização da conduta como crime de falsidade ideológica.
A começar pela ausência de dolo específico para o crime de falsidade ideológica, sob a alegação de que o autor alterou o documento equivocadamente, sem a vontade e intenção de se beneficiar com o ato.
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