O acordo de não persecução penal (ANPP) é uma ferramenta para o alcance do consenso a respeito de uma acusação criminal entre quem acusa e quem é acusado.
Ou seja, em vez do juiz julgar pela condenação ou absolvição do réu, existe a possibilidade de ser realizado o acordo de não persecução penal entre as partes, desde que cumpridos alguns requisitos legais objetivos e subjetivos.
O instrumento não isenta o acusado da responsabilidade pela infração cometida, porém, trata-se de outra modalidade de responsabilização e reparação dos danos causados, em substituição à justiça criminal comum, motivo pelo qual não cabe o ANPP para todas as infrações penais.
Assim, tem se demonstrado uma excelente ferramenta para repressão das infrações penais cometidas, além de ser muito mais rápida em comparação a um processo criminal. No entanto, é importante conhecer os detalhes para a formalização deste acordo, evitando que o acusado, em defesa, seja prejudicado.
Entenda tudo sobre o acordo de não persecução penal a seguir.
Qual o conceito do Acordo de não persecução penal?
O acordo de não persecução penal (ANPP) foi inserido no ordenamento jurídico por meio da Lei nº 13964/2019, que “aperfeiçoa a legislação penal e processual penal”.
A previsão expressa está no artigo 28-A inserido ao Código de Processo Penal, no seguinte sentido:
“Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
O conceito do acordo de não persecução penal pode ser definido como um instrumento ou ferramenta jurídica consensual, substituindo a justiça criminal comum, para a resolução da repressão a uma infração penal praticada, sem que haja condenação do acusado e privação da liberdade.
Apesar disso, um dos requisitos para a homologação pelo juiz do ANPP é a confissão da prática da infração pelo acusado, de modo que o crime é reconhecido pelo Ministério Público. Não há o procedimento padrão de imposição de penalidade ao réu, mas há imposição de penalidade para repressão do crime cometido, de outras formas não compatíveis com a privação de liberdade.
Na prática, traz benefícios para ambas as partes, além de desafogar o judiciário e solucionar a questão criminal de outra forma.
Em que hipóteses tem cabimento o acordo de não persecução penal?
Poderá ser proposto o acordo pelo Ministério Público quando o investigado confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal sem violência ou grave ameaça e que tenha previsão da pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (art. 28-A, CPP).
Alguns crimes exemplos que permitem o ANPP são furto, estelionato, porte ilegal de arma de fogo e outros.
Vamos falar sobre alguns tipos de crimes específicos e discorrer sobre o ANPP?
Crimes hediondos
A Lei nº 8072/1990 dispõe sobre os crimes hediondos, que são, dentre eles:
- o homicídio quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado;
- lesão corporal dolosa de natureza gravíssima e lesão corporal seguida de morte;
- roubo circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima, circunstanciado pelo emprego da arma de fogo e qualificado pela lesão corporal grave ou pelo resultado morte;
- extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima ou extorsão mediante sequestro;
- estupro e estupro de vulnerável;
- e outros.
Da simples análise dos crimes hediondos, depreende-se que não são compatíveis com a formalização do ANPP, tendo em vista que há emprego de violência ou grave ameaça, além de não ser suficiente o consenso para repressão da prática da infração penal.
Apesar disso, há discussão doutrinária sobre a possibilidade de considerar alguns crimes hediondos e a formalização do ANPP para o alcance da finalidade da pena.
No entanto, segundo a legislação pura, não é possível o ANPP para crimes hediondos.
Crimes culposos violentos
Como dito acima e nos termos do art. 28-A, do Código de Processo Penal, o acordo de não persecução penal é cabível quando não estiver presente o emprego da violência ou grave ameaça na conduta criminosa.
Todavia, os crimes culposos violentos são aqueles em que não há dolo pelo agente, ou seja, a violência não está consistente na conduta em si, mas no resultado infracional.
Daí o termo “crime culposo violento”. A violência, nestes casos, decorre da inobservância do dever de cuidado e por isso há menor grau de reprovabilidade da conduta pelo Estado.
Por tais razões, sendo distintos os efeitos dos crimes dolosos e culposos, nos casos de crimes culposos violentos é possível o acordo de não persecução penal (ANPP).
O art. 28-A, do CPP, em que pese não especificar acerca dos crimes culposos e dolosos, deve ser aplicado de acordo com o caso concreto, quando em análise dos requisitos objetivos e subjetivos determinantes para a formalização do ANPP. E não deve ser diferente dos crimes culposos violentos.
Inclusive, neste sentido foi o posicionamento do Ministério Público do Paraná em parecer, no ano de 2020:
“Em relação à natureza da infração penal (contravenção ou crime) sem violência ou grave ameaça, oportuno esclarecer que ela deve ter sido praticada imbuída de dolo. Admite-se a celebração do acordo na hipótese de eventual crime culposo com resultado violento, pois a conduta típica consiste na violação de um dever de cuidado objetivo, cujo resultado é involuntário e não desejado pelo agente. Essa, aliás, é a posição do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM). (MANDARINO, Renan Posella; SANTIN, Valter Foleto. A atuação do ministério o público ante a expansão da justiça penal negociada no pacote anticrime”.
Dessa maneira, é cabível o ANPP aos casos de crimes culposos violentos.
Crimes militares
Há debates entre juristas criminalistas sobre a possibilidade da formalização do ANPP na justiça militar, tendo em vista que se trata de justiça especializada, podendo ser equiparada aos juizados especiais, estes que não permitem a feitura do ANPP.
Todavia, o entendimento majoritário e aprovado pela jurisprudência é de que é admitido também na justiça militar a formalização dos acordos de não persecução penal, desde que os requisitos previstos no Código de Processo Penal estejam presentes.
Crimes contra a Lei de Drogas
Os crimes contra a lei de drogas são aqueles que não só configuram o tráfico de entorpecentes, como também consistem na conduta de guardar, utilizar, manter em posse as drogas para uso próprio, além de outras condutas.
O STJ possui entendimento no sentido de que o ANPP não cabe nos casos de acusação pela prática de tráfico de entorpecentes, tendo em vista que a pena mínima é de 04 anos, restando contrário a um dos requisitos que exigem a pena inferior a 04 anos.
Todavia, quando o caso se trata de uso próprio, é possível a feitura do ANPP considerando entendimento dos tribunais superiores no sentido de que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional (Rext 635569), motivo pelo qual deve ser admitido o ANPP.
Sendo assim, é importante averiguar qual conduta criminosa contra a lei de drogas está sendo imputada ao acusado, a fim de que a defesa seja feita da forma correta.
Em quais hipóteses não se aplica o Acordo de não persecução penal?
Nos termos do art. 28-A, caput e parágrafos, do CPP, não se aplica o acordo de não persecução penal quando:
- a pena mínima do crime for superior a 4 anos;
- houver emprego de violência ou grave ameaça na prática do crime;
- quando não houver necessidade e suficiência para a reprovação e prevenção do crime;
- se o acusado for reincidente;
- ter sido o agente beneficiado nos últimos 5 anos anteriores ao cometimento da infração em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo;
- quando o crime for praticado no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher;
- se for cabível a transação penal de competência dos juizados especiais criminais.
Vale lembrar que a análise dos critérios deve averiguar os aspectos objetivos e subjetivos, sendo que alguns dos requisitos podem ter interpretação ampla, beneficiando os agentes de condutas criminosas em diversos casos.
Quais são os requisitos para que haja acordo de não persecução penal?
Os requisitos para que haja o acordo de não persecução penal são de caráter subjetivo e objetivo, como já mencionado ao longo do artigo.
Os principais requisitos são aqueles previstos no caput, do art. 28, do CPP:
- pena mínima inferior a 4 anos;
- ausência de emprego de violência ou grave ameaça;
- necessidade e suficiência para a repressão e prevenção do crime cometido.
Indo adiante, há os outros requisitos dispostos nos parágrafos, do art. 28, do CPP:
- não reincidência do crime praticado e não habitualidade na prática da conduta;
- não ter sido beneficiado com o ANPP, transação penal ou SURSIS nos últimos 5 anos;
- não se tratar de crime enquadrado como violência doméstica;
- ausência de cabimento da transação penal quando competência do juizado especial criminal.
Qual o juízo competente para o monitoramento e fiscalização do ANPP?
O acordo deverá ser submetido para o juiz a fim de homologação judicial do termo pactuado.
Se estiverem presentes as condições legais e a voluntariedade mediante oitiva do acusado em audiência, o juiz homologará o acordo e remeterá ao Ministério Público para iniciar a execução.
A execução penal se dará no juízo de execução penal, competente para monitoramento e fiscalização do ANPP.
Como proceder em caso de descumprimento das condições do acordo?
O parágrafo 10, do art. 28, do CPP, prevê que:
“§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.”
Ou seja, quando houver descumprimento das condições do acordo, deve-se notificar o juízo competente para que seja rescindido o termo e, na sequência, para oferecimento de denúncia, de modo que se instaure o procedimento criminal de praxe para que o acusado responda pela prática da infração penal.
Ademais, segundo o parágrafo 11, do art. 28, do CPP, “o descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo”.
No entanto, o acusado poderá se manifestar a respeito para a defesa sobre a alegação de descumprimento do acordo, de modo a garantir o cumprimento do pacto e respeitando o devido processo legal.
Cumprido o acordo integralmente, será extinta a punibilidade do agente.
Por todo o exposto, considerando os diversos aspectos que envolvem a formalização do ANPP, recomendamos que o acusado esteja acompanhado de um advogado criminalista especializado, a fim de garantir os direitos de defesa.
Além disso, cumpre esclarecer que é obrigatória a presença do defensor do acusado para assinar o ANPP, além do próprio acusado e do Ministério Público.
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