A liberdade de locomoção, conhecida como direito de ir e vir, é um dos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros. A Constituição Federal garante proteção à liberdade e, uma vez que esse direito é violado por motivos ilegais, a Lei prevê hipóteses de restauração.
O Estado, por vezes, tem o direito de restringir a liberdade do cidadão em determinadas ocasiões, uma vez cumpridos os requisitos formais pertinentes, conforme a legislação vigente. Para se compreender melhor essas situações, tem-se como exemplo, a possibilidade de uma prisão provisória. O cidadão fica sob custódia do Estado, em nome de um bem maior que sua liberdade, naquele momento específico.
Em prisões que são consideradas fora da Lei, seja pela forma como foram cumpridas ou pela incompetência de quem emitiu a ordem de prisão, há um instrumento processual denominado habeas corpus para o saneamento dessas situações.
Para melhor compreensão e quando é cabível sua utilização, traremos informações esclarecedoras sobre o habeas corpus neste artigo. Tire suas dúvidas!
O que é habeas corpus?
O habeas corpus (da expressão em latim “que tenhas o corpo”) é considerado um remédio constitucional. É uma ferramenta processual autônoma usada para proteger a liberdade e o direito de ação do cidadão. A reparação pode ser solicitada quando uma pessoa for presa ilegalmente ou ameaçada de prisão por conduta ilegal ou abusiva pela autoridade competente.
O habeas corpus está contido no artigo 5º inciso LXVIII da Constituição Federal. Por se tratar de instrumento processual, todas as suas regras processuais estão elencadas nos artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal.
Esse remédio constitucional, em virtude de sua urgência em proteger a liberdade, pode ser requisitado por qualquer cidadão. Isso significa dizer, que não é somente utilizado por advogados, qualquer pessoa que possuir conhecimento da violência ou coação ilegal de sua própria liberdade ou de outrem pode impetrar com habeas corpus.
O instituto é previsto em diversos tratados internacionais, inclusive na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, haja vista se tratar de um direito humano fundamental. Em nossa constituição essa ferramenta é protegida por cláusulas pétreas. Portanto, em nenhuma hipótese, via emenda constitucional ou qualquer outra legislação, poderá ser mudada para restringir direitos e garantias fundamentais.
Inclusive, o habeas corpus é um dos instrumentos mais antigos da história. Foi na Inglaterra seu surgimento, por volta do século 13. Há divergências quanto ao primeiro documento que registrou sua existência. Há quem defenda que tenha sido na Magna Carta de 1215 e há quem diga que tenha sido somente no Habeas Corpus Act, documento inglês de 1679.
Na Magna Carta, a ferramenta do habeas corpus referia-se à limitação dos poderes do Rei. Este instrumento garantia proteção aos cidadãos que não eram da realeza de serem privados de sua liberdade, de forma arbitrária, por parte daqueles que detinham o poder político da época.
Para que serve o habeas corpus?
Como mencionado anteriormente, o objetivo do habeas corpus é garantir o direito dos indivíduos de ir e vir livremente. Por se tratar de uma ação constitucional, o habeas corpus possui a finalidade de sanar violações de direitos fundamentais decorrentes de um mandado de prisão ilegal, por exemplo, na hipótese de já ter sido concretizado ou para evitar que essa ordem de prisão seja executada, vez que a liberdade do indivíduo esteja ameaçada ilegalmente.
O habeas corpus não necessariamente se aplica apenas aos casos de prisão. Sua finalidade se aplica a diversos tipos de ilegalidade, pois trata-se de um instituto bastante flexível. Um exemplo comum é a utilização de habeas corpus para fins de trancamento de uma ação penal quando está ausente a justa causa.
Nos incisos do artigo 648 do Código de Processo Penal são elencadas as hipóteses de cabimento do habeas corpus. Portanto, uma vez presente uma das hipóteses previstas, a finalidade do instituto será de restaurar o direito violado.
Imagine-se, por exemplo, a seguinte situação: é decretada uma prisão preventiva em decorrência do inciso IV, do referido artigo. Sua previsão literal é de que cabe o habeas corpus “quando houver cessado o motivo que autorizou a coação.”
Assim, um dos requisitos legais da prisão preventiva previstos no artigo 313 do Código de Processo Penal é a existência de dúvida sobre a identidade civil do acusado ou quando não há elementos suficientes para que essa identidade seja esclarecida.
No entanto, no decorrer do processo criminal, surgem provas que indicam com clareza a identidade civil do acusado. Cabe a impetração de habeas corpus, portanto, baseado no fato de que o motivo que autorizou a prisão daquele indivíduo não se sustenta mais, garantindo-lhe seu direito de liberdade e sanando o constrangimento ilegal causado pelo Estado.
Quais as hipóteses?
É cabível o habeas corpus quando o direito de liberdade de um indivíduo é ameaçado ou quando esse direito já tenha sido violado por algum ato ilegal. Além disso, também é possível reivindicá-lo em nome da proteção de qualquer constrangimento causado por ilegalidade ou abuso de poder.
Por se tratar de uma ferramenta processual, suas hipóteses de cabimento são trazidas nos incisos do artigo 648 do Código de Processo Penal, onde prevê as seguintes situações: (i) quando a coação não houver justa causa. Ou seja, significa que os fundamentos daquela coação não foram preenchidos, como, por exemplo, indícios suficientes da prática do delito; (ii) quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei. Por exemplo, cidadãos que estão presos temporariamente que o prazo já restou vencido; (iii) quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo. Imagine-se como exemplo um juiz estadual ordenando em delitos de competência federal; (iv) quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; (v) quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; (vi) quando o processo for manifestamente nulo, como elencado nas hipóteses do artigo 564, do Código de Processo Penal e, por fim, (vii) quando extinta a punibilidade, conforme previsão no artigo 107 do Código Penal, quando não é mais possível o Estado processar o indivíduo.
Quais os tipos de habeas corpus?
São previstas três modalidades de habeas corpus. São elas: a forma preventiva; forma liberatória ou repressiva, que ocorre de ser a mais comumente conhecida, e a coletiva.
Preventivo
Em situações em que ainda não ocorreu nenhuma privação de liberdade do indivíduo, mas há uma ameaça de ocorrer, utiliza-se o habeas corpus preventivo. Deve-se considerar a ameaça iminente e concreta e não uma mera especulação. Essa modalidade impede que a violação se concretize.
Qualquer pessoa que sentir que sua liberdade esteja ameaça injustamente ou esteja sofrendo algum tipo de constrangimento ilegal, poderá ingressar com a ação constitucional de habeas corpus.
Um exemplo cotidiano é a expedição de um mandado de prisão. No entanto, a motivação e fundamentação do mandado restam maculadas, isto é, agridem direito daquele sujeito que a autoridade determinou a prisão. O habeas corpus preventivo, antes mesmo do cumprimento deste mandado, é impetrado para proteger o cidadão de ser violado por uma ordem ilegal.
Liberatório ou repressivo
Já o habeas corpus repressivo ou liberatório, como o nome já diz, tem a função de liberar. O instituto será utilizado após a violação de direito ter sido praticada. Essa modalidade tem o objetivo de combater uma prisão ilegal, por exemplo, visando sempre a liberdade individual do cidadão e assim garantir que seus direitos sejam restaurados.
Coletivo
Há também o habeas corpus coletivo. Significa que os beneficiários serão atingidos de uma só vez e de forma indeterminada pela decisão judicial que recair sobre o pedido do habeas corpus.
Historicamente, o habeas corpus é um remédio individual. No entanto, o cenário foi alterado a partir das movimentações que reivindicavam uma tutela coletiva de direitos.
Um exemplo marcante da incidência da modalidade coletiva foi o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do habeas corpus nº 143.241, de 2018. O objeto do remédio era a tutela coletiva de mulheres que são mães em situação de privação de liberdade. De forma inédita, o habeas corpus garantiu a prisão domiciliar a lactantes e mães de crianças de até 12 anos de idade.
Dessa forma, veja-se, que não foi um habeas corpus impetrado em favor de apenas uma mãe encarcerada, mas sim em prol de todas as mulheres que preenchiam os requisitos previstos para a prisão domiciliar. Este julgado tornou-se um precedente de extrema importância, pois a partir dele, todas as mulheres em situação de privação de liberdade que preenchem as características determinadas ao benefício usufruem da ordem do habeas corpus até hoje.
Sujeitos no processo de habeas corpus?
Os atores processuais que são sujeitos no habeas corpus são: (i) aquele que impetra o pedido, que ajuíza a ação constitucional em nome de alguém, ou até para si, que esteja sendo violado: impetrante; (ii) aquele beneficiário do que está sendo pedido no HC, aquele que sofreu a violação de seu direito de liberdade: paciente; (iii) aquela autoridade que violou o direito fundamental: impetrado ou autoridade coatora.
A autoridade coatora pode ser um juiz de direito ou qualquer outra autoridade estatal que tem o poder de decidir sobre a liberdade de um indivíduo, por exemplo, um policial.
Além disso, o instituto é totalmente gratuito. Trata-se de um procedimento que não exige custas judiciais para ingresso.
Nota-se que, qualquer pessoa, física ou jurídica, nacional ou estrangeira, pode impetrar o habeas corpus. No entanto, o beneficiário do pedido, ou seja, o paciente pode ser apenas pessoa física.
Competência para julgamento.
O instituto do habeas corpus deve ser julgado pela autoridade hierarquicamente superior àquela que ordenou a violação de direito de locomoção de alguém.
Um exemplo disso é o seguinte: um juiz de direito ordenou uma prisão ilegal, restando, assim, figurado no polo de autoridade coatora. Seu superior hierárquico é o Tribunal de Justiça. Dessa forma, o habeas corpus será impetrado perante este tribunal competente.
A mesma lógica serve para os Juizados Federais e Tribunais Superiores. Caso a autoridade coatora seja o Superior Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal é o responsável pelo julgamento do remédio.
Um detalhe importante sobre o tema é a competência originária do Supremo Tribunal Federal, de forma excepcional. Nossa Constituição Federal, em seu artigo 102, inciso I, alínea “d”, ordena que os habeas corpus impetrados em favor do presidente da república, membros do congresso nacional, os próprios ministros do STF, membros do tribunal de contas da união e procurador-geral da república serão julgados diretamente pelos ministros do Supremo.
Quem pode pedir habeas corpus?
Todos os cidadãos são legitimados para impetrar o habeas corpus. Literalmente toda e qualquer pessoa pode impetrar ou reivindicar esse remédio. A legitimidade deste remédio é universal e amplamente democrática.
Como dito anteriormente, não é necessário que a pessoa seja advogada para impetrar o habeas corpus ou que tenha grande conhecimento jurídico.
Caso um profissional seja contratado para realizar esse trabalho, porém, ele figura como impetrante e seu cliente figura como paciente, apenas. No entanto, não significa que o próprio paciente não pudesse impetrar o remédio de forma direta.
A única restrição é que deve o paciente ser uma pessoa física. Não é possível o benefício para pessoas jurídicas, ou seja, empresas.
Papel do advogado.
Quando o habeas corpus é impetrado por um advogado, ele passa a figurar como um garantidor dos direitos fundamentais daquele cidadão que teve seu direito agredido.
Cumpre ao advogado registrar na peça processual de forma clara e motivada todos os requisitos necessários para a impetração de habeas corpus, seja preventivo ou repressivo.
Por ser uma peça processual independente, ao ser apresentada à autoridade competente, o advogado deve juntar cópia integral ou, pelo menos, cópia das principais peças dos autos processuais que originaram a ordem e que comprovam a ilegitimidade alegada.
O dever do advogado, portanto, é acompanhar o procedimento do habeas corpus até que a ordem ilegal não tenha mais efeitos sobre seu cliente e sua liberdade seja novamente restaurada.
Contar com um advogado especialista em direito penal para impetrar habeas corpus é de suma importância, uma vez que o advogado tem um papel fundamental no combate do injusto e do abuso cometido contra seus clientes!