O direito ao esquecimento foi a grande pauta dos noticiários jurídicos brasileiros em fevereiro deste ano, devido a uma decisão do Supremo Tribunal Federal defendendo que o direito ao esquecimento não é compatível com a nossa Constituição Federal.
Mas afinal, você sabe o que é direito ao esquecimento? Aqui, vamos te explicar tudo sobre esse assunto e te mostrar quais foram os principais casos que repercutiram no nosso país. Além disso, você vai entender quais as principais razões que fundamentaram essa decisão do STF. Então, vamos lá!
O que é o direito ao esquecimento
O direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa tem de impedir que algum fato sobre sua vida seja eternamente divulgado, mesmo que os dados ou acontecimentos sejam verídicos e obtidos de acordo com a lei.
Em outras palavras, é o direito de ser esquecido em razão do tempo ter passado e o fato já não ser mais de interesse público.
Em certo momento da sua vida, a pessoa não quer mais que os acontecimentos continuem sendo expostos ao público em geral, com a justificativa de que isto lhe causa sofrimento ou transtornos mentais.
Quando foi criado
O direito ao esquecimento não é uma discussão exclusiva do Brasil. Ele existe pelo mundo inteiro, também chamado de the right to be let alone (direito de ser deixado em paz), na língua inglesa, e derecho al olvido (direito de ser esquecido), na língua espanhola.
As primeiras discussões acerca do direito ao esquecimento se deram na década de 90, mais precisamente na Europa e nos EUA.
No Brasil, o primeiro caso mais emblemático surgiu em 2003. Em resumo, o caso aconteceu da seguinte maneira:
Em 1976, um homem assassinou uma mulher, considerada uma pessoa de destaque nas camadas mais altas da sociedade brasileira. Seu processo foi julgado, com a condenação de 15 anos de prisão.
Em 1987, após cumprir 7 anos de prisão em regime fechado, o homem foi solto em condicional. Em 2003, 27 anos após o acontecimento, uma emissora de televisão decidiu exibir uma reportagem sobre o assassinato, momento em que se iniciou a discussão jurídica sobre o direito ao esquecimento e o direito de informação da imprensa.
O homem recorreu à justiça alegando já ter cumprido a pena e exigindo seu direito ao esquecimento. O juiz de 1ª instância concedeu liminar impedindo a exibição do programa. Contudo, em 2ª instância, a emissora recebeu autorização para exibir o programa.
Ou seja, ficou reconhecida a liberdade de expressão da emissora. Todavia, o programa a ser exibido deveria se limitar aos fatos contidos no processo e nas provas documentais.
Isso demonstra que o mundo jurídico, embora seja cheio de regras e imposições, também tem seus conflitos de interesse. Quando isso acontece, é preciso analisar qual direito será restringido em detrimento de outro.
Para ajudar nessa questão, vamos entender melhor qual a função do direito do esquecimento.
Qual a função do direito ao esquecimento?
O direito ao esquecimento é considerado pela maioria dos doutrinadores como sendo uma extensão da dignidade da pessoa humana, entendido como um direito de personalidade, mas o que isso quer dizer?
Significa que devem ser protegidos os direitos fundamentais, como o direito à honra, direito à intimidade e o direito à imagem. Se um fato, mesmo que verídico e licitamente obtido, continua a ser amplamente divulgado pelos meios de comunicação acaba criando uma exposição eterna da vida da pessoa.
Imagine que uma pessoa se envolveu em um fato delituoso, tenha sido julgada, condenada, mas já cumpriu suas pendências com a justiça e deseja que seu crime não seja mais lembrado, pois está em um processo de ressocialização.
Contudo, anos depois a imprensa continua a divulgar e noticiar o fato, impedindo que a pessoa tenha o direito de ser esquecida, de que seu crime não seja lembrado a todo momento, de que ela não passe por mais situações desonrosas e humilhantes.
A função do direito ao esquecimento é justamente limitar o direito de informação, liberdade de expressão, após determinado período, para garantir o direito de privacidade e intimidade de outra pessoa.
Esta é a principal discussão que permanece até hoje sobre o direito ao esquecimento. É notoriamente um conflito de interesses constitucionais.
O que deve ser levado em consideração? A liberdade de informação, liberdade de expressão ou os direitos individuais da pessoa humana, como privacidade, honra e intimidade?
Direito ao esquecimento e a liberdade de informação
Este é o grande duelo do direito ao esquecimento: direito à intimidade, à privatividade versus direito à informação, à liberdade de expressão.
O direito à informação garante à imprensa cobrir algum acontecimento, algum fato que seja de interesse público sobre a vida de alguém.
Quando surge o direito ao esquecimento e a imprensa é proibida de noticiar algum fato, surge também a violação ao direito de informação.
Essa é a principal crítica do direito ao esquecimento, ele pode ser compreendido como uma censura, como uma ação que visa controlar a divulgação de informações, ferindo o direito de liberdade da imprensa.
As principais justificativas das pessoas e dos operadores do direito que são contra o direito ao esquecimento são:
➣constitui violação ao direito de liberdade de expressão e de imprensa;
➣desaparece com informações e registros sobre fatos que são históricos e de interesse público;
➣mitiga-se o interesse coletivo, interesse público em razão do direito de uma pessoa.
Em contrapartida, existe um grupo de pessoas que afirmam que o direito ao esquecimento possui suporte constitucional, considerando que é uma decorrência do direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
Estes são direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, inciso X, assegurando também o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação.
Isto significa dizer que as pessoas devem ter o direito de serem esquecidas pela opinião pública por fatos que já passaram e não deveriam repercutir para sempre.
O direito ao esquecimento não é um debate jurídico tão atual, mas que ganhou maior repercussão após o surgimento da internet, vejamos porque.
Direito ao esquecimento na internet
Com o surgimento da internet, as informações passaram a ser disseminadas de maneira muito mais rápida e fácil. Além disso, com a internet as notícias passaram a ser eternizadas, facilmente você consegue acessá-las pelo celular, inclusive com fotos e vídeos, mesmo que seja sobre um fato ocorrido há anos.
Por isso, é quase que impossível um fato ser esquecido quando noticiado na internet. Por esta razão, após a internet o direito ao esquecimento voltou a ser debatido com maior intensidade no âmbito jurídico.
A principal discussão sobre o direito ao esquecimento no âmbito digital é em relação a retirada de conteúdo, notícias, informações, vídeos, de sites de notícias e reportagens.
Portanto, busca-se remover dos sites conteúdos que mencionam fatos já superados e que, em tese, deveriam ser amparados pelo direito ao esquecimento.
Casos da aplicação do direito ao esquecimento
Um dos casos que teve grande repercussão na mídia envolveu uma apresentadora e atriz brasileira. Ainda em 1982, a atriz atuou em um filme que simulava uma relação sexual entre ela e uma menino de 12 anos.
A atuação foi duramente criticada, pois a apresentadora tinha sua imagem ligada a um programa destinado ao público infantil. Ao perceber que a carreira de apresentadora infantil não era compatível com a atuação no filme, a apresentadora deu início a uma disputa judicial.
A divulgação e comercialização do filme foi proibida em 1991. Em 2010, a apresentadora ingressou ação contra a empresa Google, para retirada dos resultados de busca que atrelassem seu nome à prática de pedofilia, ela perdeu a ação.
Em uma das decisões em 2012, o Supremo Tribunal de Justiça – STJ – decidiu que não se pode reprimir o direito da coletividade à informação, sob justificativa de divulgação de conteúdo ofensivo na internet.
Em 2018, a apresentadora desistiu da ação e o filme foi exibido em fevereiro deste ano (2021).
Outro caso de repercussão nacional, aconteceu em 2013 e envolveu um dos acusados de ter participado da Chacina da Candelária, que aconteceu em 1993, onde policiais à paisana dispararam tiros em cerca de 70 crianças e adolescentes que estavam nas escadarias da Igreja da Candelária.
Várias crianças e adolescentes ficaram feridos e 8 deles morreram. Dos policiais acusados, 3 foram condenados e 2 absolvidos.
Nesse caso, um dos acusados que foi absolvido entrou com ação contra uma emissora que teria feito a cobertura do crime e mencionado o nome do acusado como um dos participantes do crime, mesmo após ele ter sido absolvido.
O Supremo Tribunal de Justiça utilizou a tese do direito ao esquecimento para decidir que as pessoas têm direito de serem esquecidas pela opinião pública e pela imprensa, caso contrário os atos praticados no passado configurariam uma eterna punição, condenando a emissora ao pagamento de indenização por danos morais.
Direito ao esquecimento na visão do STF
Em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu por não reconhecer o direito ao esquecimento, com a justificativa de que o direito não tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro.
Decidiu o STF que não se pode sobrepor o direito ao esquecimento em detrimento à liberdade de expressão, que está prevista na Constituição Federal.
O julgamento referiu-se a um recurso do caso de uma mulher que foi assassinada após tentativa de estupro em 1958.
Em 2004, uma emissora de TV lembrou o caso durante um programa. A família da jovem assassinada entrou com um pedido de indenização por danos morais pelo uso da imagem da vítima, sob alegação de que a reconstituição da morte provocava sofrimento à família.
Em 2013, o direito ao esquecimento nesse caso já havia sido reconhecido pelo STJ, sob argumento de que a família tinha o direito de não ter o caso lembrado pela imprensa. Fato que levou a emissora a recorrer em última instância.
A decisão do STF não reconheceu o direito ao esquecimento, alegando que não é um direito compatível com o ordenamento jurídico brasileiro. Os ministros entenderam ainda que a liberdade de expressão não pode perder seu valor com o passar do tempo.
Como fica o direito ao esquecimento após decisão do STF
A regra que em tese deverá prevalecer a partir de agora é pela liberdade de expressão de fatos lícitos e obtidos de acordo com a lei, mesmo que estes acontecimentos lembrem situações passadas.
Contudo, a decisão mantém aberta a possibilidade de que o direito ao esquecimento seja analisado de acordo com o caso concreto, com objetivo de que fique afastado eventuais abusos ou excessos.
É importante esclarecer que deve ser sempre analisada a relevância pública da informação. O fato é realmente de interesse da coletividade, tem o papel relevante de informar a população? Ou a divulgação se resume a mera curiosidade e ofensa? Não se pode confundir esses pontos.
Vale lembrar que mesmo com a decisão do STF não reconhecendo o direito ao esquecimento, qualquer violação à privacidade, à intimidade da pessoa, através de divulgação de informações não autorizadas é motivo plausível para ingressar com ação de indenização por dano moral.
Portanto, cada caso possui suas próprias particularidades e deve ser analisado com imparcialidade e respeito aos direitos fundamentais estabelecidos pela nossa Constituição.
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