Crimes contra o patrimônio: Como fazer uma defesa de estelionato?

Entenda o que é estelionato, como se caracteriza este crime, os principais golpes e como se defender.
Entenda o que é estelionato, como se caracteriza este crime, os principais golpes e como se defender.

Com o avanço esmagador da tecnologia, o crime de estelionato vem crescendo significativamente na sociedade, e fica cada vez mais difícil do Estado demonstrar atitudes eficazes no combate a este crime.

O estelionato se caracteriza pela fraude, com atitudes que visam enganar, ocultar a verdade. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, essa conduta humana de adulterar, falsear a verdade acontece desde as primeiras relações sociais.

Ou seja, desde o começo da humanidade o homem já buscava obter vantagens sobre os outros por meio de fraudes e mentiras. Hoje, estas condutas são mais expressivas, além de serem muito facilitadas pela tecnologia.

Mas afinal, você sabe o que é estelionato? Como se caracteriza este crime? Como ocorre o processo penal? Se não, continue lendo este artigo, pois vamos te explicar tudo isso.

O que é estelionato?

O crime de estelionato é bastante conhecido e comumente chamado de “171”, que se refere exatamente ao número do artigo em que está previsto no Código Penal Brasileiro (CP). Mas você sabe exatamente o que configura um crime de estelionato?

Para entendermos melhor esse conceito vamos olhar qual a origem da palavra estelionato. Estelionato advém do latim stellio, que se refere a uma espécie de lagarto ou camaleão. 

Uma das principais características do camaleão é que ele muda de cor de acordo com o ambiente em que se encontra, sendo capaz de enganar outros animais, tanto seus predadores como insetos que lhe servirão de alimento.

A ideia no crime de estelionato é praticamente a mesma, uma vez que não há a aplicação de violência física ou moral. Pelo contrário, muitas vezes a vítima até colabora, uma vez que foi enganada ou iludida por algum meio fraudulento ou ardil.

Observe o que dispõem o Código Penal:

Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.

O principal objetivo deste tipo penal é proteger o patrimônio, ou seja, impedir que as pessoas tenham seus patrimônios violados de forma ardil ou fraudulenta. Em segundo plano, protege-se também a boa-fé na realização dos negócios jurídicos patrimoniais, uma vez que se entende que esses negócios devem ocorrer de forma segura, fiel e verdadeira.

Quais são as condições que caracterizam o crime de estelionato?

Parece simples, mas nem sempre é tão fácil configurar um ato como estelionato. Para isso, é necessário que a conduta do agente preencha todas as condições previstas no artigo 171 citado acima. São elas: vantagem ilícita, prejuízo para a vítima, uso de malícia para enganar e indução da pessoa ao erro. Vamos entender cada uma delas.

  1. Vantagem ilícita: vale destacar aqui que se a vantagem não for ilícita, ou seja, devida, estamos diante de outro crime – crime de exercício arbitrário das próprias razões. A doutrina ainda diverge quanto à natureza da vantagem, se ela deve ser econômica ou não. De um lado, temos aqueles que dizem que a vantagem ilícita deve ser entendida como qualquer utilidade ou proveito de ordem patrimonial, e do outro, o entendimento de que o que deve ter natureza econômica é o prejuízo sofrido pela vítima e não a vantagem.
  1. Prejuízo para a vítima (prejuízo alheio): aqui sim não há dúvidas quanto a necessidade de caracterização de prejuízo patrimonial. Tal prejuízo será decorrente da vantagem ilícita. Quando se obtém ilicitamente algum bem, por certo que há também uma lesão ao seu patrimônio.
  1. Uso de malícia para enganar e indução da pessoa ao erro: nesse tipo de crime, pretende-se punir aquele que usa de sua “astúcia”, “esperteza”, “mentira” com o intuito de enganar a vítima para que esta a entregue de forma voluntária e espontaneamente a coisa visada. Por isso não se fala no emprego de violência, mas sim de fraude. A fraude é que pressupõe o uso de meio malicioso: artifício (encenação com o objetivo de enganar) ou ardil (astúcia, conversa enganosa). Mas qualquer outro meio fraudulento pode ser utilizado, inclusive o silêncio, quando a vítima se engana e o agente se omite não fazendo nada para “desenganar” a vítima e com isso obtém uma vantagem ilícita.

A melhor maneira de entendermos realmente esses elementos é através de exemplos. Alguns crimes de estelionato são aplicados por todo o país e depois de algum passam a ficar conhecidos. Infelizmente, ainda assim, algumas pessoas acabam “caindo” caindo nesses golpes.

Não há como esgotar esse assunto, e nem como prever tamanha criatividade ardilosa daqueles que cometem o crime de estelionato. Mas para melhor visualizarmos como acontece esse crime, vamos ver agora quais são os golpes mais comuns.

Golpes comuns

Clonagem de WhatsApp: esse seja talvez um dos golpes em massa mais recentes ocorridos no Brasil. Ao realizar algum anúncio em algum site de marketplace e disponibilizar o seu número de telefone celular, os golpistas utilizam este contato e solicitam a confirmação do cadastro através de um código.

No entanto, esse código em verdade dá acesso ao golpista ao aplicativo de mensagens da vítima. O estelionatário se passa então pela vítima, e conversa com os contatos dela contando alguma história com o objetivo de convencê-las a fazer um depósito na conta de um terceiro.

Infelizmente, cerca de 23 pessoas por dia são vítimas desse golpe no país. Até o primeiro trimestre de 2020, foram registrados 8,5 milhões de casos no Brasil. A Polícia Civil publicou inclusive um passo a passo do que fazer caso tenha sua conta clonada, que pode ser acessado aqui.

Bilhete Premiado: ao contrário do golpe anterior, este é um dos mais antigos aplicados pelos estelionatários. Nesse golpe, os estelionatários abordam pessoas alegando ter um bilhete da loteria premiado. Em alguns casos, eles chegam a fazer um jogo com os números sorteados em  um jogo anterior para que a pessoa possa inclusive conferir o bilhete.

O estelionatário conta alguma história justificando o porquê não consegue sacar o prêmio e oferece o bilhete em troca de algum dinheiro. A vítima, achando que está comprando um bilhete premiado e terá acesso a um prêmio muito maior acaba pagando por este bilhete falso.

Envelope Vazio: esse golpe é muito utilizado nas compras em que normalmente se faz um depósito ao credor, como na negociação de carros e motos, mas pode acontecer também com outros produtos como eletrodomésticos, móveis, etc.

O estelionatário faz a “compra” do produto e apresenta o comprovante de depósito como comprovante de pagamento no momento de retirar a mercadoria. No entanto, na verdade o que o estelionatário fez foi um depósito com o envelope vazio. Pode demorar um ou dois dias para a vítima perceber que o dinheiro não entrou em sua conta. Para evitar este tipo de golpe, é importante só liberar a mercadoria quando o depósito for confirmado e o dinheiro liberado.

Carro quebrado ou “bença tia”: aqui o estelionatário liga para a vítima e após ser atendido a cumprimenta com um “bença tia”. Se for “bem recebido” logo se faz passar por um sobrinho ou parente próximo da vítima, alegando estar com o carro quebrado na estrada e sem dinheiro ou sem crédito para ligar para a seguradora ou pedir ajuda. Eles podem solicitar desde depósitos em dinheiro como recargas de crédito em celular. Normalmente esse tipo de crime é cometido por detentos de dentro dos presídios.

Até aqui, vimos alguns dos golpes mais comuns aplicados de forma presencial e por telefone. Mas com o avanço da tecnologia, os golpes também ficaram mais sofisticados. Vamos ver agora alguns dos golpes mais aplicados pela internet:

Boleto falso: por meio de pesquisas na internet e dados divulgados pelos próprios usuários em cadastros e redes sociais, por exemplo, os golpistas encaminham para o e-mail das vítimas boletos bancários como de pagamento de conta de plano de internet. Sem se dar conta que o boleto é falso a vítima acaba pagando a conta. Além de ficar com a conta verdadeira em atraso, o dinheiro pago vai direto para a conta dos golpistas.

Namorado Falso: nesse golpe os estelionatários investem no relacionamento com a vítima até ganhar a sua confiança para obter vantagens. Normalmente procuram vítimas em sites de relacionamentos e demonstram interesse amoroso estendendo a relação. Quando a vítima passa acreditar que está namorando, o “namorado falso” passa a inventar uma série de desculpas para que a vítima lhe envie algum dinheiro, como doenças graves, compra de passagens para visitá-la, etc. 

Outro golpe recente e relacionado a este, é quando o suposto namorado estrangeiro alega que enviou um presente à vítima, mas que o presente ficou preso na alfândega. Um terceiro entra em contato com a vítima se passando por uma agente da receita federal ou alguma autoridade alfandegária e solicita um depósito para a liberação da mercadoria. Envolvida pelo relacionamento, a vítima acaba por fazer a transferência ou depósito bancário e o namorado simplesmente desaparece. 

Site de compras falsos: estelionatários criam sites de compras, normalmente de marcas famosas e conhecidas, com um layout tão parecido com o verdadeiro que o faz parecer legítimo. A vítima realiza a compra, efetua o pagamento, mas nunca recebe o produto.

Esses são apenas alguns dos golpes mais conhecidos. Mas como dissemos mais acima, existem vários outros e todos os dias surgem novos golpes de estelionato.

Muitos desses golpes são quase impossíveis de serem rastreados, mas ainda assim é passível de punição. 

Como funciona a aplicação da pena no crime de estelionato?

O crime de estelionato tem pena prevista no Código Penal brasileiro de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, além da aplicação de multa.

Vale lembrar que o crime de estelionato tem natureza de ação penal condicionada à representação da vítima, ou seja, o Ministério Público não pode oferecer denúncia contra o acusado se a vítima não manifestar nesse sentido.

Quando a vítima do crime de estelionato for a Administração Pública, criança ou adolescente, pessoa com deficiência mental, incapaz ou pessoa maior de 70 (setenta) anos de idade não é necessário representação para que o Ministério Público ofereça denúncia.

A análise do juiz para aplicação da pena pode ser dividida em três etapas:

Circunstâncias judiciais previstas no art. 59: esta primeira análise é chamada de dosimetria da pena e consiste na apreciação de alguns critérios para valorar ou não a pena. 

Os principais critérios analisados pela nossa jurisprudência são os meios empregados para a fraude, o valor da vantagem obtida indevidamente, o tempo que durou o recebimento da vantagem indevida e o tamanho do prejuízo causado.

Comprovada a existência dessas circunstâncias, o juiz poderá “dosar”, regular a pena, valorando-a negativamente ou não.

Agravantes ou atenuantes: Nessa etapa, o juiz irá verificar a existência de fatos que podem agravar ou atenuar a pena, as condutas estão descritas nos Arts. 61, 62 e 65 do Código Penal.

No crime de estelionato, a reincidência é um dos principais agravantes, mas também pode ocorrer nas condutas em que o réu cometeu o crime contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge, contra mulher grávida, criança ou idoso, entre outras disposições legais.

Existência de causas de aumento e diminuição de pena: por fim, o juiz poderá aplicar causas de aumento ou diminuição da pena que, segundo o Código penal, poderá ser aumentada em um terço, se o crime foi cometido contra instituição de direito público ou de assistência social. E, se cometido contra idoso, a pena poderá ser aplicada em dobro.

Caso o réu seja primário, e o prejuízo decorrente do seu crime for de pequeno valor, o juiz poderá substituir a pena de reclusão pela de detenção, além de diminuir o tempo de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

Vale destacar que o juiz deverá analisar com cautela as agravantes e as causas de aumento de pena, para não correr o risco de aumentar a pena duas vezes, em diferentes etapas, pela mesma circunstância.

Suspensão Condicional do processo

A suspensão condicional do processo está regulamentada na Lei nº 9.099/95, este instituto jurídico visa extinguir a punibilidade ao final do período de suspensão do processo, desde que o acusado cumpra algumas determinações legais.

A suspensão pode durar de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, mas só é concedida para os réus que cometeram crimes com pena igual ou inferior a um ano, o acusado também não pode estar envolvido em outro processo criminal, nem ter sido condenado anteriormente.

Para que ocorra a suspensão do processo, o réu deverá cumprir algumas condições que vão ser determinadas em juízo, como por exemplo, não frequentar determinados lugares, não se ausentar da comarca onde reside, comparecer em juízo, reparar o dano causado à vítima.

O principal benefício que poderá ser alcançado ao final da suspensão condicional do processo é a extinção da punibilidade, além disso, não será gerada nenhuma culpa sobre o crime, nem antecedentes criminais.

Como apresentar a defesa

É importante ressaltar que em qualquer tipo de processo há a possibilidade de defesa tanto processual como material.

Em geral, pode ser alegada atipicidade do fato, prescrição ou decadência, extinção da punibilidade, a não autoria do crime e até mesmo defeitos processuais ou erros cometidos durante a investigação policial são passíveis de anular todo um processo. O direito de ampla defesa jamais deverá ser cerceado!

Outro modo de defesa é observar os elementos que caracterizam o crime. Para que alguém seja condenado a um crime é imprescindível que todos os seus elementos estejam presentes.

No crime de estelionato, cinco elementos são essenciais: a obtenção de vantagem, causar prejuízo a outrem, utilização de meio ardil, induzir alguém a erro e o dolo (vontade). Logo, uma das linhas de defesa possíveis é a descaracterização de algum desses elementos.

Outro caminho muito comum, é a utilização do princípio da insignificância. Para sua aplicação a conduta do agente deve ser ofensividade mínima, não trazer periculosidade social, ter um grau reduzido de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Contudo, se o crime foi cometido contra a administração pública ou quando se trate de um criminoso habitual, os Tribunais têm entendido pela impossibilidade da aplicação deste princípio.

Outro instituto aplicável ao crime de estelionato é o do arrependimento posterior. Isso quer dizer que caso o autor do crime venha a reparar o dano à vítima até o recebimento da denúncia ou queixa, de forma voluntária, poderá ter sua pena reduzida de um a dois terços.

Cada caso é um caso, e cada processo exigirá uma análise detalhada. Vale ressaltar que no caso dos processos criminais a defesa técnica, ou seja, efetuada por advogado ou defensor público, é uma garantia ao acusado.

Por isso, não deixe de procurar um profissional especializado e de sua confiança para atuar em sua defesa. Somente ele com todo o seu conhecimento técnico é quem poderá garantir a melhor estratégia de defesa.

Se ficou alguma dúvida sobre o assunto, não deixe de comentar ou entre em contato com a gente. Será um prazer te ajudar.

Sobre o Autor

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Edlênio Xavier Barreto

Advogado especialista em causas criminais de alta complexidade.

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